Teach For Portugal

Os Mentores da Teach For Portugal conseguiram manter contacto regular com quase todos os alunos, angariaram 120 equipamentos para as escolas e fizeram chegar alimentos a 43 famílias necessitadas.

O mês de julho marca o fim de um dos anos escolares mais atípicos da nossa história. Nos últimos três meses não houve aulas presenciais para a grande maioria dos alunos e a comunidade educativa teve entre mãos o enorme desafio de manter os alunos motivados e a aprender.

Mais. A pandemia veio ampliar as desigualdades sociais na educação e o fecho das escolas trouxe consequências cruéis e injustas para alunos mais carenciados. A distância fez com que muitos perdessem o “elevador social”. Sabendo que existe uma relação muito forte entre perfil socioeconómico das famílias e desempenho escolar dos seus filhos, naturalmente os alunos mais desfavorecidos enfrentam maiores barreiras para atingir um percurso escolar de sucesso. Por outro lado, estudos demonstram que o ensino à distância não só não consegue solucionar eficazmente as dificuldades de aprendizagem como ainda amplia o fosso entre perfis sociais. Ou seja, são estes alunos desfavorecidos quem mais depende do ensino presencial e do contacto permanente da escola e dos professores para conseguir alcançar o seu potencial.

A Teach for Portugal é uma Organização Não Governamental (ONG) fundada com o objetivo de trazer mais oportunidades para todas as crianças, em articulação com as escolas onde atua. Parte integrante da rede internacional Teach for All, que conta com mais de 50 organizações nacionais independentes espalhadas pelo mundo e unidas pela mesma missão, a Teach for Portugal não poderia baixar os braços num contexto como o atual. Pelo contrário, sentiu a responsabilidade de dizer presente.

Reconhecendo as novas exigências educativas, no período desde março, os participantes do programa de dois anos da Teach For Portugal conseguiram manter um contacto regular com quase todos os alunos, angariaram ainda 120 equipamentos para as escolas e fizeram chegar alimentos a 43 famílias necessitadas vindos de campanhas próprias de recolha alimentar.

Contudo, a relação teve de ir mais longe. Estes participantes, jovens profissionais que dedicam dois anos a trabalharem nas escolas mais carenciadas do país em colaboração com professores em contexto letivo e escolar, deram apoio direto a alguns alunos que não sabiam, por exemplo, inserir uma nova página no word, e não tinham ninguém nas suas famílias que os pudesse ajudar. A Francisca e a Catarina, recém-licenciadas em Direito e Engenharia Biomédica, e a trabalhar na escola de São Torcato em Guimarães, fizeram visitas surpresa às casas dos alunos, entregando-lhes cartas e cantando, dizendo como sentem a sua falta. Outros participantes criaram uma hora de leitura online, semanal, onde alguns alunos passavam a hora a ler em silêncio na presença virtual uns dos outros. Produziram séries no YouTube com o objetivo de apelar aos sentimentos de partilha e entreajuda, envolvendo os pais no processo. Visitaram acampamentos para criar relações com os alunos e garantir que têm os seus contactos para o ensino à distância funcionar de forma regular. Criaram espaços de conversas online e “recreios” virtuais, com encontros semanais para jogos e atividades divertidas.

Neste contexto pandémico, ganhou quem não se deixou ficar em casa e foi para o terreno. Ganhou quem teve a capacidade de motivar pela própria aprendizagem, de desenvolver competências organizacionais e estimular um espírito de crescimento nos alunos. Antes de qualquer conteúdo académico, a construção de um ambiente propício à aprendizagem revelou-se essencial. Para consegui-lo, foi obrigatório garantir o contacto com a totalidade dos alunos, assegurar acesso a equipamento que permitisse aceder ao ensino à distância e, mais importante, ter a certeza de que eventuais carências alimentares eram asseguradas.

Foi preciso uma pandemia para tornar ainda mais visíveis os obstáculos que tantas crianças, desde o momento em que nascem, terão de ultrapassar para poder atingir algum nível de escolha e oportunidade semelhante ao dos seus pares mais favorecidos. Mas também foi preciso uma pandemia para que se acelerasse a implementação de novas estratégias, que permitam que a educação seja verdadeiramente holística e diferenciada, saia das salas de aulas e envolva as famílias e toda a comunidade escolar.

O elevador social não vai funcionar de igual modo para todos, no imediato. Por isso temos de apoiar todos os professores e educadores, para que possam corresponder à transformação do modo de ensinar e para que que possam desenvolver relações próximas, fortes e inclusivas com os alunos. Vamos dar as mãos às crianças que, sem elevador, precisam de subir pelas escadas.

Artigo escrito para o Observador: 9 julho 2020