Teach For Portugal

Pelo facto de ser negra, imigrante e de viver num bairro social, senti muitas vezes a postura, consciente ou inconsciente, de “Não se pode esperar muito de alguém assim”, “Não vale o esforço porque já sabemos que não tem futuro”, “Eles não se importam não seremos nós a nos importar.” Por muito tempo decidi não pensar nisso mas é algo que sempre esteve presente no meu percurso.

Lembro-me como se fosse hoje do meu primeiro dia de aulas em Portugal.

Sou Caboverdiana, filha de imigrantes e a minha história com certeza não é muito diferente de muitas outras crianças imigrantes. Aos 13 anos saí da minha terra rumo a Portugal. Sentia-me muito feliz porque finalmente iria estar com meus pais. Tudo parecia um sonho. Viver num lugar diferente, casa nova, escola nova e principalmente novas amizades.

No meu primeiro dia de aulas estava nervosíssima, mas muito entusiasmada. Ia conhecer pessoas novas e fazer amigos.

Segunda-feira, 8:00 da manhã toca a campainha para entrar na aula. Fui encaminhada para a minha sala onde fui muito bem recebida. Os professores foram super simpáticos e os meus colegas super atenciosos. Até pediram ao professor para me mostrarem a escola em vez de assistirmos à aula.

“Isto é um sonho” – pensei eu.

Contudo, logo no segundo dia fui evitada pelos colegas que no dia anterior tinham sido super atenciosos. Pensei que só me queriam mostrar a escola para não terem aula. Passei a estar sempre sozinha nos intervalos.

Com o passar do tempo, começaram a surgir os comentários acerca da cor da minha pele: “Para preta até que és bonita” como se ser preto fosse sinónimo de ser feio. “Tens sorte por não ter cabelo de preto!”

Certa vez, perguntaram-me: “O teu pai é branco?” respondi que não, sem entender nada. E voltou a perguntar: “A tua mãe é branca?” e novamente respondi “Não…” e por fim perguntou com ar de gozo “O padeiro da zona é branco?”. Nunca consegui compreender o porquê dessas “brincadeiras”.

Penso que os professores nunca tiveram conhecimento dessas situações. Dominava a língua portuguesa sem dificuldades e a situação parecia controlada. No entanto, relativamente aos conteúdos escolares, sempre senti que ía a uma velocidade diferente da dos meus colegas: enquanto eles andavam, eu corria para chegar ao mesmo resultado.

Apesar disso, com resiliência e incentivo por parte dos meus pais para estudar e tirar um curso superior, fui superando as dificuldades do percurso e licenciei-me em Geologia pela Universidade de Lisboa.

Algo que consigo ver agora como adulta, é que há a preocupação para que os alunos imigrantes aprendam a língua mas sem apostar na integração, no seu sentido mais completo: fazer com que se sintam bem, acolhidos e algum interesse em tentar perceber as suas origens, cultura, necessidades, e contexto.

Este ano tive a oportunidade de trabalhar numa escola como assistente operacional e isso fez-me voltar ao passado ao espelhar-me nas várias crianças imigrantes que frequentam a escola. Da minha parte, havia o desejo de ajudá-las de alguma forma.

Foi então que, por coincidência, me cruzei com a Teach For Portugal nas redes sociais. Identifiquei-me logo com a sua missão e visão.

Já estou na 5ª semana do Instituto de Verão – IdV, a formação inicial intensiva com componente teórica e prática que prepara os participantes para serem Mentores TFP, líderes que durante 2 anos colaboram em escolas de meios desfavorecidos para impulsionarem a mudança. Sinto uma evolução enorme a nível de aprendizagens mas também a nível pessoal. Antes queria fazer algo para mudar esta realidade mas não sabia como, nem tinha as ferramentas necessárias. Com o IdV sinto-me preparada e ganhei ferramentas para começar essa mudança, começando por mim.

É interessante porque com pequenas ações já consigo ver o impacto nas crianças. No IdV temos turmas com as quais dinamizamos sessões de aprendizagem e os meus colegas, ao retratarem o preconceito numa das aulas de cidadania, pediram-me que escrevesse um testemunho sobre os preconceitos que já sofri. No intervalo, os alunos, sensibilizados, que eu nem conhecia, vieram à minha procura demonstrando empatia: “Viemos ter consigo para lhe dizer que é linda do jeito que você é! Não deixe que ninguém lhe diga o contrário e que baixe a sua auto-estima”.

Só o facto de saber da existência de uma organização como a Teach For Portugal que se preocupa em, por meio da educação, empoderar crianças que vivem num contexto socioeconómico vulnerável  a terem a possibilidade de sonhar e de atingirem seu máximo potencial com um futuro melhor deixou-me muito feliz. Fazer agora parte dessa organização deixa-me ainda mais feliz.

Autora: Leni Lima
Participante do Instituto de Verão 2021 – formação da 3ª Geração de Mentores Teach For Portugal