Autora: Débora Silva
Mentora da 3ª Geração no Agrupamento de Escolas do Vale de S. Torcato
Na aula de português do 5º ano, eu e a professora Susana Carvalho lançámos o desafio de cada aluno se caracterizar num papel, incluindo as suas características físicas e psicológicas, interesses e emoções. Depois, as caracterizações foram distribuídas aleatoriamente e em segredo pelos alunos. Cada aluno tinha de apresentar o seu “amigo secreto” com base na sua caracterização. Para fomentar a criação de espírito de grupo, quem tivesse aspectos em comum com o colega apresentado teria de levantar a mão, para que o apresentador pudesse adivinhar quem era o seu “amigo secreto”.
Com este exercício, desafiámos os alunos a trabalhar a Consciência. A Consciência é uma das quatro dimensões da ferramenta PADA (do inglês Proficiencies, Agency, Dispositions e Awareness), que engloba o processo de desenvolvimento integral do aluno, desde os resultados académicos, mentalidade de crescimento, consciência do eu e do mundo, colaboração, ou liderança.
Ao longo do exercício fomos partilhando algumas reflexões, desde as mais triviais às mais significativas e corajosas. “O meu amigo secreto descreve-se como mau.”, disse a Joana. “O que é ser mau? Mau a jogar futebol? Mau a estrelar ovos?” questionei. “Foi o Miguel”, referiu a turma. O Miguel, que é um aluno com comportamento disruptivo, encolheu-se na cadeira, encostou-se à parede e acenou com a cabeça. “Sou mau quando me chateio, fico violento”.
Encarei esta situação com curiosidade, e pensei em trabalhar também a dimensão Proficiência, passando de uma mentalidade fixa para a mentalidade de crescimento. “Miguel, fecha os olhos”, pedi. “Turma, vou fazer-vos uma série de perguntas. Se à primeira pergunta a vossa resposta for afirmativa, levantam o braço, e só o baixam quando chegarmos a alguma pergunta em que a vossa resposta seja negativa”.
A primeira pergunta foi ‘’Há momentos em que me chateio?” e todos – inclusive eu e a professora – levantaram o braço. Seguiram-se algumas perguntas: “Sou violento fisicamente ou verbalmente quando me chateio?”, “Ter essa atitude faz-me sentir bem?, “Gostaria de mudar isso em mim?” e “Se sentisse que mais colegas vivenciam ou sentem o mesmo que eu, isso iria ajudar-me a melhorar?”. Culminou em: “Aceito este desafio como oportunidade de melhorar?” e sete braços permaneceram levantados. Pedi ao Miguel para abrir os olhos, e qual a surpresa dele ao ver colegas na mesma situação.
O que é que retiramos daqui? Que é num ambiente seguro – e corajoso – de partilha que efetivamos a aprendizagem, e que essa aprendizagem vai muito mais além dos resultados académicos. A aprendizagem reside também no desenvolvimento, bem-estar e felicidade enquanto pessoas, onde o autoconhecimento, a autoestima, a partilha de sentimentos e vulnerabilidades e o espírito de grupo se tornam fundamentais na criação de espaços de coragem, e na capacidade de desconstruirmos muitas vezes os estigmas e preconceitos que nos impedem de avançar. Locais onde não importa se tenho medo ou não, importa sim que faço parte de um coletivo que me dá a força de enfrentar o meu medo, e que todos, juntos, temos diariamente uma oportunidade de melhorar.
Criar estes espaços em sala de aula revela-se cada vez mais importante, necessário e até produtivo no que toca à efetivação da aprendizagem. É a cultura de sala de aula baseada na existência de espaços corajosos de partilha de vulnerabilidades e potencialidades que permite aos alunos expressarem-se, sentirem e florescerem, assim como permite promover a mentalidade de crescimento, a aceitação do erro e cultura da melhoria contínua, autoestima e expressão individual. Garantir este passo de partilha e de bem-estar é o primeiro passo para a aprendizagem e para o desenvolvimento integral do aluno: porque até podemos estar bem mas sem aprender, mas não podemos aprender sem estar bem.