“Daniela, nem sabe o que acabei de descobrir!” diz a Beatriz (nome fictício) empolgada, quebrando o barulho de fundo dos corredores da Escola Básica e Secundária do Cerco. Esta frase poderia resumir os 2 anos de Programa Teach For Portugal para a Daniela Paninho, psicóloga clínica, e que fez parte da 1ª Geração de mentores.
Numa fase inicial, a Daniela atuava dentro da sala de aula, usando os conteúdos programáticos para trabalhar competências socioemocionais e comportamentais. Porém, rapidamente se apercebeu que trabalhar competências transversais na sala de aula é fundamental, mas não é suficiente. As dinâmicas e jogos, o tom de voz “calmo e motivador” (adjetivos dos alunos), o tempo para conversas livres e para partilhas individuais, a escuta ativa de cada um, o reforço positivo (mesmo daqueles sucessos “que ninguém vê”) e o incentivo olhos nos olhos levaram à vontade de fazer mais.
Depois das aulas, os alunos rompiam a multidão em busca de diálogo: “Daniela, depois quero contar-lhe o que me aconteceu…”; “preciso da sua ajuda…”; “hoje sinto-me…”. Crianças e jovens que precisavam de apoio e incentivo, foram um terreno fértil para semear o tal ‘máximo potencial’. Destas conversas de corredor, a Daniela criou os “Momentos Superstar”, momentos semanais, individuais ou em grupo, fora da sala de aula — na biblioteca ou, mais tarde, via Zoom; a adesão foi um sucesso, quer no número de alunos presentes, quer no seu empenho em se descobrirem a si próprios e aos colegas.
Contudo, alguns alunos não compareciam nestes encontros. Há crianças e jovens com uma notória resistência em “olhar para dentro”, e isso não é por “mau feitio” ou “para desafiar”. Todos temos a nossa história e vivências, e temos de aceitar que a iniciativa não chegue a todos; por outro lado, o lema da Teach For Portugal é não deixar nenhum aluno para trás. Assim, a Daniela respeitou o tempo e os limites de cada aluno, e foi criando uma relação para chegar até aos mais distantes: estar presente, estar disponível, não julgar, não opinar, escutar ativamente. Só depois arriscou um “gostava que…” ou um “o que achas de…?”. E foi abrindo caminho para jovens como o Carlos (nome fictício), que se despediu no último “Momento Superstar” com lágrimas e promessas de manter contacto.
Celebra-se hoje o Dia Mundial das Competências dos Jovens, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2014 para chamar a atenção sobre as 1,2 biliões de pessoas com idade entre 15 e 24 anos, 16% da população mundial, e a importância das suas competências para o desenvolvimento sustentável das sociedades. Como a autonomia, o espírito crítico, a inteligência emocional e a colaboração, estas competências nos jovens permitem escolhas mais conscientes na sua vida pessoal e profissional, preparando-os para a cidadania ativa e para o mercado de trabalho.
O que temos visto na Teach For Portugal é que o papel da escola é cada vez mais importante e fundamental neste processo em qualquer jovem, mas assume especial relevância para jovens de comunidades carenciadas, onde temos o nosso foco. O trabalho, que foi feito pela Daniela e que continua com todos os mentores que temos no terreno, é diário, intenso e vai para além do óbvio, se queremos que todas tenham a oportunidade de desenvolver o seu máximo potencial – pessoal, académico/profissional e de cidadania – independentemente da sua origem socioeconómica. Para tal, focamos a nossa intervenção em quatro áreas-chave: resultados académicos e metacognição; consciência do eu; gestão emocional; e liderança. Sendo os nossos objetivos muito ambiciosos, trabalhamos na comunidade escolar numa ação coesa e colaborativa, que inclui ainda parceiros da comunidade.
Mas tão importante como definir o que queremos ver nos alunos, é definir o que queremos ver em nós. Para promovermos as competências nas crianças e jovens, temos de as ter em nós mesmos, com a humildade, consciência e compromisso de uma aprendizagem contínua. É por isso que o Programa da Teach For Portugal oferece uma formação centrada no desenvolvimento pessoal de cada mentor. Albert Bandura, psicólogo da aprendizagem social, afirmou que as crianças e jovens aprendem imitando comportamentos que veem à sua volta. O que fazemos, dentro e fora da sala de aula, é absorvido pelos mais jovens e interfere na cultura de sala de aula, na qualidade da relação, na aprendizagem e na sua formação como um todo, como cidadãos.
Tal como a Beatriz, que possamos trazer o entusiasmo de aprender e de descobrir dentro de nós, todos os dias! E tu, o que descobriste hoje?
Autoras: Maria Azevedo (Diretora de Formação) & Daniela Paninho (Psicóloga e Alumna Teach For Portugal)